03 Dezembro 2019
Diante da emergência climática, a desobediência civil é hoje considerada por muitos ativistas ambientais como uma última tentativa para fazer as coisas acontecerem.
A reportagem é de Aude Martin, publicada por Alternatives Économiques, 29-11-2019. A tradução é de André Langer.
O Extinction Rebellion atacou fortemente. “E isso é apenas o começo”, prevê Mangoa [1], uma ativista do movimento ambientalista. O objetivo da série de ações realizadas pelo Extinction Rebellion durante a “Semana Internacional da Rebelião”, que aconteceu no início de outubro, era claro: forçar os governos a dizer a verdade sobre o aquecimento global e agir antes... do fim do mundo. Em Paris, o bloqueio do centro comercial Italie 2 e a ocupação da Praça Châtelet durante cinco dias revelaram ao público em geral a existência de 14 mil militantes do ramo francês do Extinction Rebellion, 8 mil dos quais estão regularmente ativos, de acordo com os últimos números do movimento, que afirma receber 200 pedidos de adesão por semana na região de Paris desde setembro passado.
O movimento retomou as ações nesta sexta-feira, dia 29 de novembro, lançando ações em 27 cidades da França para protestar contra a Black Friday, como em Rennes, onde ativistas bloquearam as Galeries Lafayette, de acordo com a France Blue. Outras organizações, como a Attac e Youth for Climate, também estão realizando ações de desobediência civil contra esse evento de marketing.
Lançado em 31 de outubro de 2018 em Londres, o Extinction Rebellion espalhou-se por cerca de sessenta países, incluindo a França, onde os rebeldes fizeram sua “declaração de rebelião” em março de 2019. Enquanto os primeiros ativistas a aderir já participavam de lutas ambientais no passado, como Durga, que fundou um dos 60 grupos locais do Extinction Rebellion no vale do Drôme, o movimento agora está atraindo cada vez mais novos ativistas, convencidos de que a adoção de ecogestos individuais não será suficiente para resolver a questão climática. É o caso da Mangoa, cujo único ato militante antes de ingressar no Extinction Rebellion foi o engajamento em uma Amap [Associação para a Manutenção de uma Agricultura Camponesa]. “Bióloga por formação, eu era sensível à questão da biodiversidade e o Extinction Rebellion fez ressoar essa preocupação”, explica ela.
Vindos de diferentes horizontes, todos compartilham o consenso em torno da ação preconizada pelo Extinction Rebellion: a desobediência civil. “Se esse modo de ação perdeu fôlego na França na década de 1980, após o declínio especialmente dos movimentos sociais associados à eleição de François Mitterrand, a desobediência civil é uma prática que tem uma história muito rica”, explica o sociólogo Manuel Cervera-Marzal [2]. Sua teorização pelo autor estadunidense David Thoreau, que se recusou a pagar seus impostos durante seis anos para protestar contra a escravidão e a guerra contra o México, remonta ao final do século XIX.
A desobediência civil adquiriu uma dimensão mais coletiva no início do século XX com Gandhi, que a usou para defender os direitos dos imigrantes indianos na África do Sul e conquistar a independência da Índia dos britânicos. O movimento afro-americano pelos direitos civis incorporado por Martin Luther King também o conquistou nas décadas de 1950 e 1960. Na França, “a desobediência civil deu os primeiros passos através da ação dos movimentos antimilitaristas da década de 1950, prolongados pela ocupação do Larzac na década de 1970”, diz Manuel Cervera-Marzal. E apareceu nos círculos ambientalistas com os destruidores de OGM no final dos anos 2000 e a proliferação de protestos em grandes projetos considerados desnecessários e impostos [3].
Hoje, é considerada como uma última tentativa de fazer as coisas acontecerem enquanto a emergência climática se torna cada vez mais urgente e outras formas legais de mobilização (advocacia, coletivas de imprensa, petições...) não deram resultados convincentes, e até foram proibidos, como as manifestações antes da COP21 em Paris, em dezembro de 2015.
A desobediência civil é caracterizada por duas partes. A primeira é a vontade de transgredir uma lei. Seja para dizer que ela é considerada ilegítima – como aquela que proíbe o acesso aos bares dos negros estadunidenses –, seja porque sua violação torna possível afirmar uma problemática de interesse geral. “Em fevereiro passado, o 'roubo' em grupo dos retratos de Emmanuel Macron por ativistas limpou as paredes nas prefeituras para simbolizar o vazio da política climática do presidente”, explica, por exemplo, uma das ativistas, Pauline Boyer, militante da Ação Não-Violenta COP21 (ANV-COP21).
O segundo componente é o respeito a um princípio de não-violência. Além de palestras sobre o DNA do movimento e o estado do conhecimento científico sobre o aquecimento global, os rebeldes do Extinction Rebellion são obrigados a receber formação sobre desobediência civil e a renunciar a todas as formas de violência física ou verbal para participar das ações. Se a violência contra as pessoas for banida, “exceções serão toleradas para os bens materiais se um alvo específico tiver sido definido a montante”, matiza Durga. Como, por exemplo, as vitrines de bancos que financiam as energias fósseis.
Esse princípio de não-violência é uma maneira de não confundir a mensagem enviada aos governantes. E atrair o maior número possível de pessoas para suas fileiras, incluindo os menos radicais. É também uma maneira de o movimento desvendar a violência do Estado e sua repressão policial. “O objetivo das ações de desobediência civil é devolver imagens fortes, que abalam as consciências”, explica Pauline Boyer, que ainda se diverte com a proteção policial concedida às petroleiras reunidas na Cúpula do Petróleo Offshore em Pau em 2016, diante de militantes ecologistas armados... com escudos de espuma.
O recurso à não-violência também parece ser a melhor tática em um contexto em que o poder político estigmatiza a violência excessiva para desacreditar os movimentos sociais. “Os vidros estilhaçados fazem agora passar a extinção de espécies para segundo plano”, diz Manuel Cervera-Marzal. A não-violência, no entanto, está longe de ser consensual em círculos mais radicais. Thalie, ativista do movimento ecologista radical Deep Green Resistance (DGR), lastima “uma pacificação da luta ambientalista, lamentável diante da urgência destacada pelo IPCC”.
Além das operações de choque, os desobedientes civis confiam em seus possíveis processos para interpelar a opinião e mudar a legislação. Esse é particularmente o caso dos nove ativistas do Greenpeace que, dois anos atrás, entraram na usina nuclear de Cattenom (57) para disparar daí fogos de artifício e cujo julgamento de apelação está sendo aguardado para meados de janeiro. “Colocar-se em uma posição de detenção é mais fácil para uma mulher branca dos bairros elegantes do que para um jovem racializado dos subúrbios, lamenta, no entanto, Juliette Rousseau, ativista e ex-coordenadora da coalizão de organizações mobilizadas por ocasião da COP21 (Coalizão Climática 21) [4]. Nem todos podem se defender em um tribunal e isso efetivamente cria uma exclusão dentro do Extinction Rebellion”. Ciente de que o movimento deve evoluir, Durga está entusiasmada por um momento em ver “os bac +5 se rebelar!”.
[1]. Diferentemente de outros movimentos não-violentos, os ativistas do Extinction Rebellion são chamados por seus pseudônimos.
[2]. Em Les nouveaux désobéissants: citoyens ou hors-la-loi?, Le bord de l’eau, 2016.
[3]. Ver Résistir aux grands projets inutiles et imposés. De Notre-Dame-des-Landes à Bure, coll. Des plumes dans le goudron, Textuel, 2018.
[4]. Em Lutter ensemble. Pour de nouvelles complexités politiques, Cambourakis, 2018.
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Desobediência civil, último recurso antes da extinção? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU